
Todo mundo tem email. Além disso, todo mundo tem celular, computador e acesso a internet (claro que me refiro ao ambiente empresarial e setor público). Então não faz sentido que o edital daquela licitação que lhe deixou interessado apenas possa ser impugnado fisicamente, através de protocolo junto ao balcão da repartição pública que coordena a licitação.
É como voltar aos anos 80, só que sem a parte legal das músicas e do maravilhoso cinema trash que nos brindava com o horror gráfico dos filmes de zumbi daquele tempo.
Por falar em zumbis, as coisas meio que se relacionam. O ato de protocolar diretamente no balcão do órgão público sua impugnação é tão desnecessariamente automático que um morto-vivo poderia dar conta do recado sem maiores problemas. Talvez até mordesse a mão do funcionário do protocolo, como é de se esperar de qualquer zumbi.
O fato é que a sociedade evoluiu, ao menos tecnologicamente, embora ainda dê pra encontrar coisas estranhas por aí. Junto com a sociedade, a Administração Pública também deu seus saltos evolutivos e se inseriu no contexto da tecnologia, da internet e até das redes sociais, quem diria. Em breve teremos o Tik-Tok do TCU, com os ministros proferindo votos ao som de Anitta, enquanto executam uma dança ensaiada na sala do cafezinho. Ou será que isso já é real?

Mas voltemos ao ponto. O direito de participar da confecção do edital a fim de colaborar com a realização do interesse público não é dado apenas a todos os licitantes interessados. Ele é garantido a qualquer cidadão!
Essa participação colaborativa acontece através da impugnação. É ela que aponta equívocos cometidos pela Administração a fim de que sejam corrigidos e, com isso, melhor atendam à finalidade de todo processo licitatório: a contratação mais vantajosa.
Para alcançar essa contratação vantajosa, a administração tem a ajuda da lei. Esta, por sua vez, oferece instrumentos aos interessados e cidadãos para que possam exercer seu direito, seja para corrigir o edital, seja para modificar uma decisão tomada pela comissão de licitação. A impugnação ao edital é um desses instrumentos, e deve ser utilizado antes da licitação com o objetivo de reformar o edital, muitas vezes ocasionando sua republicação.
A lei dá as ferramentas e os meios de utilizá-las! Assim, se o direito é amplo, é porque não pode ser restrito, não é mesmo? Eu sei que essa é uma conclusão que qualquer zumbi teria, mas, às vezes, o óbvio precisa ser dito.
Se não pode ser restrito, é de se esperar que as oportunidades de impugnação estejam alinhadas com a vida contemporânea e todos os seus apetrechos de comunicação, tais como email, assinatura digital, fax (fax???), mensagem, zap, Direct Message etc. Não faz sentido restringir a impugnação a uma forma antiquada, dificultosa e, também, dispendiosa, sobretudo quando sabemos que a modalidade mais utilizada de licitação nos dias de hoje é o pregão eletrônico.
Dificuldade de acesso e o custo para deslocamento geram o que? A menor participação ! Esta, por sua vez, provoca a menor competição que, por fim, causa uma contratação menos vantajosa para o setor público. Em última análise, gera uma situação que não prestigia o interesse público presente na busca pelas melhores condições de execução e preço.
Se vários licitantes podem disputar um mesmo contrato estando eles espalhados por todo território nacional, que sentido há em exigir que as eventuais impugnações sejam entregues pessoalmente no balcão da repartição pública licitante?
Nenhum!
Na verdade, mesmo que a licitação seja presencial ( o que no caso do pregão gera sempre desconfiança ), nada impede que a impugnação que venha a ser feita seja encaminhada por email para análise, pois, ainda que presencial, o edital publicado na internet potencializa muito o número de interessados e cidadãos dispostos a exercer o controle do certame.
Nesse contexto, reduzir a forma de recebimento de impugnações é, sim, uma maneira de reduzir o controle sobre a atividade administrativa e, portanto, contém em si uma fraude.
Para além da anacronia de não admitir envio de impugnações por meio eletrônico (email), a questão é muito mais grave. Ou seja, o gestor público não está livre para manter seus “zumbis” em funcionamento.
O Tribunal de Contas de Minas Gerais (TCEMG) recentemente abordou o assunto. Embora não fale diretamente de zumbis, dá pra perceber que o entendimento também do TCEMG não é simpático por coisas mortos que insistem em caminhar. Vejam essa decisão:
2. É irregular a exigência editalícia que autoriza o protocolo de impugnações apenas de forma presencial, diretamente na sede da Prefeitura Municipal, visto que a ausência, no ato convocatório, da possibilidade de entrega dos documentos também pela via postal, por meio eletrônico e/ou por fax restringe os meios a partir dos quais os licitantes podem exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa. (Processo 1082427– Denúncia. Rel. Cons. Cláudio Couto Terrão. Deliberado em 10/3/2022)
Portanto, da próxima vez que você encontrar um edital que informe, quanto a eventuais impugnações, que somente serão recebidas através de protocolo na sede do órgão licitante, lembre dos zumbis, digo, lembre-se das restrições de controle que dissemos aqui.
E, mais importante, lembre-se da decisão do TCEMG. Saiba que existem muitas outras no mesmo sentido.
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